ABM - Associação Brasileira de Metalurgia, Materiais e Mineração

Gargalo logístico não se resolve em curto prazo

Não é novidade que o alto custo logístico compromete, e muito, a competitividade da indústria brasileira. Não à toa, muitas companhias se empenham em encontrar meios para lidar com esse gargalo, seja buscando modais alternativos para escoar sua produção, seja investindo elas próprias em infraestrutura de transporte.

Mas a gravidade e, principalmente, a falta de soluções de curto prazo surpreendeu os participantes de um painel que debateu o assunto durante a ABM WEEK 2017, evento técnico-científico promovido pela ABM entre 2 e 6 de outubro.

Dados fornecidos por representantes de empresas que atuam com transporte rodoviário, ferroviário e portuário permitiram dimensionar o tamanho do problema, que é resultado do baixo investimento para construção de novas rotas, manutenção das vias existentes e integração entre os modais.

Dados alarmantes

Segundo Luiz Henrique Baldez, presidente executivo da Associação Nacional dos Usuários de do Transporte de Carga (Anut), o custo logístico consome cerca de 15% da renda líquida da cadeia produtiva do aço no Brasil, enquanto que em outros países, a média é de 9%. No caso do agronegócio, o custo do transporte no país é cerca de quatro vezes maior do que nos Estados Unidos e na Argentina. “Se a matriz brasileira fosse semelhante à norte-americana, o custo médio do frete seria, pelo menos, 25% menor”, calculou Baldez. “Uma redução de 10% do custo do transporte representaria um aumento médio de mais de 30% nas exportações brasileiras para os EUA”, acrescentou Wagner Ferreira Cardoso, gerente executivo de infraestrutura da Confederação Nacional da Indústria (CNI). “Precisamos de um choque de oferta de infraestrutura, de eficiência e uma matriz de transporte mais equilibrada”, comentou.

Marco Polo de Mello Alves, presidente executivo no Instituto Aço Brasil, ressaltou que a ampliação da infraestrutura logística traria para a indústria siderúrgica ganhos em dois aspectos: primeiro, por elevar a eficiência do escoamento da produção de aço. Além disso, investimentos em logística permitiriam à indústria atuar como provedor de soluções, já que o material é parte importante da construção de rodovias, ferrovias e portos. “A indústria siderúrgica tem capacidade instalada de 50,4 milhões de t/ano e é o quinto maior produtor mundial de aço bruto, com 31,3 milhões de toneladas/ano produzidas. Apesar disso, atravessa a pior crise de sua história, resultado de fatores conjunturais (PIB inexpressivos ou negativos), e estruturais (juros elevados, alto custo tributário, etc.) ”, disse Marco Polo, lembrando que esse ano, as plantas de aço no Brasil operam com apenas 63% da capacidade instalada, quando o ideal seria estar acima de 80%.

Diante de todas turbulências político e econômicas atuais, “não há perspectivas de retomada do consumo interno de aço no país no curto prazo”, diz Marco Polo, segundo o qual embora o mercado internacional também tenha suas adversidades, é a única saída que a indústria tem no momento. “Só que o sucesso dessa estratégia depende de uma logística mais moderna, que garanta mais competitividade ao setor”, alertou o dirigente do IABr.

Modais interligados

No país, as ineficiências se espalham democraticamente por todos os modais de transporte. O segmento de portos, por exemplo, vem crescendo ano a ano. “Mas ainda há gargalos severos, regulatórios e operacionais. Além disso, a falta de conexão entre modais terrestre e marítimo gera perdas de competitividade”, disse José di Bella Filho, diretor presidente da Associação Brasileira dos Terminais Portuários (ABTP).

Em especial o transporte de contêineres, responsável por cerca da metade das exportações brasileiras em valor transportado, passa por mares turbulentos com um processo de consolidação muito forte.  Em 2016, as dez maiores empresas movimentaram 70% dos contêineres no mundo. “O problema é que não temos procedimentos mínimos para diminuir o impacto disso”, disse Cardoso, da CNI. Segundo ele, entre algumas medidas possíveis de serem tomadas são a privatização das administrações portuárias públicas e a suspenção de cobranças indevidas no escaneamento. Para o executivo da CNI também é importante garantir livre acesso do sistema ferroviário aos portos, garantir que obras de dragagem necessárias aconteçam e harmonizar a situação dos órgãos intervenientes nos portos (Receita Federal, Anvisa, Ministério da Agricultura, etc.).

Transporte terrestre

Com relação ao modal ferroviário, Ellen Capistrano Martins, superintendente na Associação Nacional dos Transportadores Ferroviários (ANTF), revelou que o aumento da produção ferroviária foi de 148% no período de 1997 a 2016. “À primeira vista esse número parece positivo, mas na prática o modal ferroviário tem muito espaço para crescer”, disse Ellen, lembrando que, para isso, seria preciso construir novas ferrovias, com uma visão de médio e longo prazos. “Além disso, precisamos aumentar a capacidade da malha atual, aproveitando a prorrogação dos contratos de concessão possível com a publicação da Lei 13.445/17, que vincula a renovação dos contratos à realização de investimentos de 25 bilhões de reais em um período de cinco anos”, comentou.

Segundo Baldez, da ANUT, nos dias atuais, a distância média percorrida nas ferrovias é de 650 quilômetros, quando, na verdade, o ideal seria que esse modal fosse usado para percorrer distâncias superiores a 1 mil km. “A velocidade média, em torno de 20 km/h, também é incompatível com as necessidades dos usuários. Se tirarmos dessa conta as ferrovias administradas pela Vale, a velocidade média das estradas de ferro brasileiras cai para 13 km/h”, disse Baldez.

Responsável por transportar mais de 60% das cargas no país, o modal rodoviário é deficitário e sobrecarregado, comentou Fernanda Rezende, coordenadora de desenvolvimento de transporte da Confederação Nacional do Transporte (CNT).

Um dos problemas, segundo a especialista, é que a disponibilidade de infraestrutura rodoviária no Brasil é muito baixa. São apenas 24,8 km de rodovias a cada mil km² de área.

Para piorar, as estradas existentes estão longe de ter a qualidade esperada. Segundo dados da pesquisa CNT de rodovias de 2016, apenas 12% da malha brasileira é pavimentada, impactando enormemente o custo do transportador. Mais da metade das estradas encontra-se em estado regular, ruim ou péssimo.

Outra dificuldade crônica do transporte rodoviário nacional diz respeito à qualidade dos pavimentos. Isso acontece segundo Rezende, por fatores como falhas de dimensionamento, adoção de sistemas construtivos inapropriados, falta de gerenciamento e fiscalização, e pouca cultura de manutenção preventiva. “Para se ter uma ideia, o método utilizado para dimensionar as nossas rodovias foi lançado em 1960 e está defasado quatro décadas. Esse método não leva em consideração a composição de cargas de veículos, o aumento do tráfego nas vias e nem as condições climáticas”, disse Rezende.

Corredores logísticos

Durante o painel realizado na ABM WEEK, o Ministério dos Transportes apresentou um projeto para subsidiar uma eventual construção de corredores logísticos, atualmente em curso. O trabalho estudou os corredores logísticos estratégicos para alguns produtos de interesse nacional em termos de valores de exportação (soja/milho, minério de ferro e gusa, veículos, combustíveis, açúcar e carnes). Segundo Ewerton Correia do Carmo, coordenador geral de Planejamento e Logística do Ministério dos Transportes, Portos e Aviação, o plano é publicar o relatório sobre o setor de minério de ferro até o final de 2017.

Embora a iniciativa do Ministério tenha sido bem recebida pelos participantes do painel de logística, questionou-se a capacidade de o governo federal transformar esse plano em realidade. “Já vimos muitos projetos semelhantes e muito bem elaborados não terem prosseguimento. Isso é muito frustrante”, disse Leonardo Almeida Zenóbio, diretor de Planejamento e Logística da Usiminas e coordenador do painel. Durante o evento, Zenóbio foi homenageado pela ABM por conta de sua contribuição voluntária à entidade.

“De fato, ainda é um desafio transformar um plano de desenvolvimento logístico em uma política de estado, mas notamos que quando está contemplado no plano plurianual do governo, a chance de implementação é mais alta”, complementou Ellen Martins.

Após quase seis horas de debates, para as empresas do setor minerometalúrgico e de materiais, a mensagem que ficou foi o de que não há saída fácil para um problema tão complexo e estrutural como a logística de transportes. “A solução passa por ter essas dificuldades muito bem mapeadas para fazer os planejamentos com mais consistência”, concluiu Zenóbio.

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